O que faz um Produtor?

Tempo de leitura: 6 min

Escrito por Marcelop
em 17/07/2014

Produtor

“O que faz um Produtor?”- Fonte: Artigo de Tom Cardoso publicado no jornal “Valor Econômico, São Paulo”

produtor musical marcelo perestreloQual o peso do produtor musical no trabalho de um artista? Para a maioria dos fãs dos Beatles, o grupo de Liverpool não seria o mesmo sem a presença do “mago” George Martin, capaz de transformar quatro ingleses adoradores de iê-iê-iê na mais criativa banda de rock de todos os tempos. Nem todos tiveram a mesma sorte. O cantor Lobão, por exemplo, não pode nem ouvir os discos produzidos por Liminha, o favorito dos grupos dos anos 80, a quem acusa de “infantilizar” os arranjos de suas canções. Para o mal e para o bem, a influência dos produtores cresce a cada dia. Basta conferir a lista de indicados para o Prêmio Tim, um dos mais importantes eventos musicais do país. Na festa, marcada para terça (dia 25 de julho), no Theatro Municipal, no Rio, vários produtores devem subir ao palco, já que o prêmio de melhor disco é dado a eles e não aos artistas. Luís Pinto/Ag. O Globo

 

A história da produção musical no Brasil é marcada por fases distintas. Até os anos 80, quando se deu a explosão do rock nacional, a relação entre produtores e artistas não era guiada por interesses econômicos ou por modismos. O músico escolhia o produtor – normalmente um amigo ou alguém muito próximo esteticamente – e um disco era gravado, sem muitas frescuras. O músico e compositor Aloysio de Oliveira, ex-integrante do Bando da Lua, simboliza o trabalho do produtor nos anos 50 e 60. Fundador da gravadora Elenco, não só produziu obras-primas da discografia brasileira (“Caymmi Visita Tom”, de 1964), como ajudou a garimpar novos talentos (Nara Leão e Edu Lobo).

 

A relação quase paternal do produtor com o artista se perdeu no início dos anos 80. Bandas de sucesso da época – Titãs, Legião Urbana, Barão Vermelho e RPM – eram todas ligadas a multinacionais. E foram justamente essas gravadoras – Sony, EMI, Warner e BMG – que estabeleceram um cruel monopólio de produção de discos. Como os maiores e modernos estúdios pertenciam às grandes gravadoras, eram elas que determinavam quem teria ou não o privilégio de gravar um disco de qualidade, na época feito numa mesa de 24 canais analógicos (o máximo em tecnologia). O poder das multinacionais era tanto, que muitos executivos, a maioria deles burocratas, sem nenhum conhecimento musical, eram escalados para produzir discos de artistas importantes, que, sem saída, eram obrigados a aceitar tamanha ingerência.

 

Nos anos 90, com o aumento da tecnologia, o poder das multinacionais foi se esvaziando. Já era possível gravar um disco de primeira linha sem gastar uma fortuna. Os estúdios se multiplicaram e a relação artista/produtor tornou-se mais democrática e menos dependente das grandes gravadoras. Por outro lado, a facilidade em produzir um disco (Herbert Vianna, vocalista dos Paralamas do Sucesso, chegou, em 1997, a fazer um álbum – “Ê Batumaré” – na garagem de casa, algo impossível na década anterior) abriu caminho para oportunistas, com muito conhecimento em tecnologia e pouquíssima erudição musical.

 

 

Depois de uma conturbada fase de transição tecnológica, o mercado musical passou a ser guiado por modismos. O chique, o moderno, era ter um disco produzido por alguém ligado à música eletrônica, que misturasse os mais variados ritmos brasileiros com drumm n’bass, gênero criado por DJs ingleses em meados da década de 90. A fase de deslumbramento com a música eletrônica também passou e hoje, com a proliferação de estúdios, com a globalização musical, é possível afirmar que apenas os bons produtores sobreviveram. É um time da pesada, formado por nomes de gerações e estilos diferentes. Valor entrevistou três dos nomes mais badalados do momento, todos indicados ao Prêmio Tim: José Milton, Paul Ralphes e Alê Siqueira.

 

José Milton é o homem dos discos de Nana Caymmi, querido por artistas exigentes como Sivuca e responsável por tirar o melhor de músicos fantásticos, como Oswaldinho e Dominguinhos. Concorre ao Prêmio TIM na categoria Projeto Especial pelo CD “Falando de Amor”, que reúne as famílias Caymmi e Jobim em um belíssimo tributo a Tom Jobim. Veterano da produção musical, Zé Milton não se entregou à tecnologia. Admite que a modernização dos estúdios facilitou o seu trabalho, mas continua firme em suas posições: “Tecnologia é uma coisa, produção artística, outra. Tecnologia não canta, não toca e não faz arranjos”, diz. “Está cheio de pseudoprodutores que não entendem nada. Como há também artistas que não sabem cantar e que escondem sua mediocridade nos recursos de estúdio.”

 

O produtor favorito de Nana Caymmi conta que já rejeitou vários convites para trabalhar com artistas com os quais não sentia afinidade musical. “Eu só trabalho com quem eu gosto. Não estou sendo arrogante, apenas acho que o entrosamento entre o músico e o produtor vai além da questão técnica. Os dois precisam gostar das mesmas coisas, ter as mesmas influências, as mesmas sacadas”, diz. “Com a Nana, por exemplo, com quem já fiz mais de dez discos, a afinidade é total. A gente senta junto, escolhe o repertório junto, os arranjos junto. É um casamento.”

 

Ex-integrante da banda inglesa Bliss, morando no Brasil há dez anos, onde ganhou respeito e fama como produtor, Paul Ralphes concorda com José Milton. Ele também já se recusou a produzir discos de grupos de qualidade duvidosa, que estavam atrás de um produtor de renome para tentar ganhar espaço no mercado, estratégia muito usada por bandas novas. Indicado ao Prêmio Tim na categoria Canção Popular pelo CD “Kleiton & Kledir ao Vivo”, Ralphes é contra a supervalorização dos produtores. “Tem muito produtor que se acha mais importante que o artista. Eu acho que o nosso trabalho tem de ser o mais ‘invisível’ possível. Esse negócio de premiar produtor é bobagem. Os produtores nem deveriam aparecer nos créditos dos discos”, afirma.

 

Não que Ralphes não ache decisivo o trabalho de um produtor. Ele acha. Conseguiu, por exemplo, convencer a dupla Kleiton & Kledir a mudar radicalmente os planos do disco ao vivo comemorativo de 30 anos de carreira. “Eles queriam chamar músicos consagrados, montar uma banda enorme, com sopros, metais. Eu derrubei a idéia. Disse que ficaria muito melhor com uma banda simples, de rock, bem jovem, só com baixo, guitarra e bateria. Eles toparam e no fim adoraram o resultado”, conta. “Com o Skank foi a mesma coisa. Consegui convencê-los de que seria legal gravar um disco no Abbey Road, em Londres, o estúdio dos Beatles”, diz Ralphes, que atualmente produz o disco da rapper Negra Li, com participação de Caetano Veloso.

 

Alê Siqueira é um dos mais talentosos produtores da nova geração. Pela extensa lista de artistas com quem trabalhou já dá para perceber que ele agrada a todos os gostos. Concorrendo ao Prêmio Tim na categoria MPB pelo CD “Nos Horizontes do Mundo”, de Leila Pinheiro, Siqueira já assinou a produção de discos de Tom Zé, Marisa Monte, Arnaldo Antunes, José Miguel Wisnik e Daniela Mercury. Ao contrário de José Milton e Paul Ralphes, ele acha que a tecnologia ajudou a democratizar a relação entre músicos e produtores. “Com o barateamento do equipamento de som e o fim dos grandes estúdios, a figura do produtor burocrata, bancado pelas multinacionais, que não sabia tocar nem um flauta doce, sumiu do mapa. Como hoje qualquer um pode produzir um disco, os artistas ficaram mais seletivos. Estão à procura de gente que conhece todas as etapas de produção, que está à frente de um trabalho riquíssimo, detalhista, e não a serviço dos computadores.”

 

Há uma valorização exagerada da figura do produtor, como sustenta Paul Ralphes? Siqueira discorda. “Nos EUA, há muito tempo, existem prêmios dados a produtores. Lá, eles são super-reverenciados, glamourizados mesmo. Há figura mais cultuada do que Quincy Jones (grande nome da música americana, produtor de Michael Jackson e outras estrelas)? Aqui, não. Só agora, de uns tempos pra cá, está se dando a importância devida ao nosso trabalho”, diz Siqueira, que está aberto a qualquer tipo de premiação. “Não sou invisível, não. Estamos aqui, dando a cara pra bater, prontos para ajudar os artistas.”

Você vai gostar também:

Para enviar seu comentário, preencha os campos abaixo:

Deixe um comentário


*


*


Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.

1 Comentário

  • João Justino Leite Filho disse:

    O Alê é fera, produzirá minhas músicas.

    João Justino Leite Filho

  • JUNTE-SE Á NOSSA LISTA DE SUBSCRITORES

    Entre para nossa lista e receba conteúdos exclusivos e com prioridade